Oferecer condições especiais de venda de uma picape para um jovem de elevado poder aquisitivo amante de aventura bem na hora em que ele pensa em trocar seu carro. Para as montadoras, trata-se de um exemplo esclarecedor de como as fórmulas de abordagem dos consumidores recomendadas pelos profissionais de marketing de relacionamento podem ser bem-vindas. Não é à toa que essa ferramenta vem ganhando espaço dentro das estratégias de comunicação da indústria automobilística.
Uma pequena análise do mercado explica o crescimento interesse do setor automotivo pelo marketing direcionado. Até a abertura do mercado aos importados, implantada durante o governo de Fernando Collor, as quatro principais montadoras instaladas no país – Volkswagen, Ford, Fiat e General Motors – reinavam absolutas. Com a invasão dos automóveis importados, acompanhada da multiplicação do número de fábricas instaladas no Brasil, a competição se acirrou de forma impressionante. “As marcas não têm mais o peso de antigamente”, avalia Marcelo Olival, gerente executivo de propaganda e marketing da Volkswagen. Some-se a isso o fato dos veículos tornarem-se cada vez mais parecidos. Quem tem idade acima dos quarenta anos lembra bem da grande diferença que havia entre os modelos oferecidos pelas montadoras há alguns anos. Como comparar, por exemplo, o Fusca com o Chevette ou o Corcel? Hoje, os modelos têm design e desempenho similares, qualquer que seja a categoria à qual pertençam. “Os veículos viraram uma espécie de commodities”, reconhece o gerente.
O novo cenário obriga as empresas a alterarem suas estratégias comerciais e de comunicação. A publicidade, instrumento que tradicionalmente fica com a parte do leão das verbas destinadas à comunicação pelas fabricantes de veículos, continua muito importante e dificilmente perderá a preferência nos próximos anos. Mas o marketing de relacionamento surge como uma alternativa muito interessante para aquecer vendas de produtos e serviços e manter consumidores fiéis. “Hoje, mais do que nunca, é preciso entender o consumidor, criar produtos e ofertas que vão ao encontro dos seus desejos”, resume Olival.
“A segmentação dos compradores é outro dado favorável à adoção do marketing dirigido pelas montadoras”, revela Viktor Bialski, gerente de Comunicação de Marketing da Ford. A venda anual de automóveis no Brasil fica na casa do 1,5 milhão de unidades por ano, número que representa menos de 1% da população do país. Entre os compradores, há um número significativo de perfis diferenciados. Os jovens, por exemplo, preferem modelos mais esportivos. Já as pessoas de idade e com bom poder aquisitivo superior procuram veículos maiores e confortáveis. Quem não tem tanto dinheiro ou não gosta de gastar muito com automóveis se contenta com modelos populares.
Base de dados – A utilização do marketing dirigido pela indústria automobilística só faz sucesso se os bancos de dados das empresas contiverem informações corretas e atualizadas, ressaltam os especialistas. Sem esse instrumento, fica impossível montar listas de públicos alvos com características ideais para as ações a serem idealizadas. “Essa é uma preocupação que mantemos há anos, os cuidados que tomamos ao gerir nosso database são enormes”, afirma Bialski. A atenção da Ford a essa necessidade se inicia com a operação de coleta das informações, feita durante as visitas dos consumidores às concessionárias e por outros meios utilizados normalmente pelos especialistas em marketing. “Uma alternativa interessante que surgiu nos últimos anos para pegar dados dos clientes são as campanhas de marketing viral pela internet”, revela o executivo. A empresa também envia, de forma rotineira e para um público selecionado, boletins com notícias e ofertas da casa como forma de incentivar o diálogo.
Os dados, que chegam de todos os departamentos da montadora, das concessionárias e de outros pontos de contato que ela mantém com os clientes, são constantemente revisados. A partir dessas informações e com o auxílio da Wunderman, agência de marketing de relacionamento que atende a Ford há seis anos, as campanhas de relacionamento voltadas para o aquecimento das vendas da montadora são criadas.
“Hoje investimos menos de 10% em ações de marketing direto, mas esse patamar deve evoluir bastante nos próximos anos”, informa sem especificar o valor exato por motivos estratégicos. Ele lembra que a publicidade fica com a esmagadora maioria da verba. Mas ressalta que a comparação não é muito justa. Afinal, por exemplo, os investimentos previstos para se adquirir um espaço no horário nobre da televisão são extremamente maiores do que os necessários para enviar malas diretas pelo correio ou deflagrar uma campanha de e-mail marketing. No caso da Volkswagen, o pensamento é o mesmo. Mas a qualidade do banco de dados ainda não se encontra em estágio considerado satisfatório. “Nos últimos meses preferimos focar os esforços no aperfeiçoamento das informações do nosso database”, revela Olival. O executivo lembra que se trata de uma tarefa difícil, que requer a colaboração de todos os departamentos da empresa e também das prestadoras de serviços ligadas a ela, caso das concessionárias. A iniciativa fez com que a empresa retraísse um pouco os investimentos em marketing dirigido que vinha fazendo nos últimos anos e que não estavam apresentando retorno satisfatório. “Não adianta enviar uma mala direta para alguém que não tem o perfil da oferta que está sendo feita. Queremos alcançar maior eficiência em nossas ações”, diz Olival.
A Volks está em um estágio inicial do trabalho, mas quer avançar rápido. Para tanto, contratou duas empresas especializadas em marketing de relacionamento, a consultoria do Peppers & Rogers Group e agência Rapp Collins. Antes, não contava com a colaboração de nenhum prestador de serviços do ramo. A meta da empresa é estar preparada para um novo momento dentro de três anos. “Quando estivermos preparados investiremos bem mais do que hoje em ações de relacionamento”, informa. Ele estima que iniciativas do gênero, por enquanto, ficam com apenas 1% das verbas de comunicação que a montadora investe.
Ofertas variadas – A venda de veículos é apenas uma das possibilidades de uso do marketing de relacionamento para engordar as receitas do setor automobilístico. Por meio deste instrumento, também podem ser oferecidos serviços de manutenção dos veículos, propostas de financiamentos dos bancos ligados às montadoras, vendas de peças e acessórios ou de seguros, entre outras ofertas. As opções são as mais variadas. No caso da Ford, um tipo de campanha que vem dando certo desde o lançamento do Eco Sport, em 2003, é o de selecionar um grupo de consumidores com perfil adequado para conhecer um automóvel um mês antes de seu lançamento oficial. A estratégia prevê o envio de convites para a realização de test drive do veículo em eventos montados especialmente para a ocasião. “Como o carro ainda não está nas lojas, alugamos espaços diferenciados em várias regiões do país, como a Hípica, em São Paulo”, exemplifica Guilherme Ambros, diretor de digital solutions da Wunderman.
O envio do convite e o relacionamento mantido com o consumidor após o evento seguem uma estratégia que prevê o envio de e-mails, correspondências e o uso do telemarketing. No caso do Eco Sport, os resultados foram acima do esperado. “Esperávamos realizar de três a quatro mil tests drive, mas alcançamos 12,5 mil. Ao final da campanha foram vendidos mais de 1,5 mil veículos, antes mesmo da propaganda de lançamento chegar à mídia”, informa Ambros. O sucesso foi tamanho que a experiência foi repetida nos anos seguintes para promover a chegada ao mercado do Fiesta Sedan e da Nova Ranger. “Os consumidores se sentem muito especiais ao serem lembrados”, garante o diretor da Wunderman.
Colaborar com a elaboração de um banco de dados de qualidade foi uma das primeiras tarefas que a agência Sun MRM teve ao assumir a conta da General Motors, fato que ocorreu há três anos. “Havia muita informação superposta, os dados vindos dos mais diferentes setores não eram integrados de maneira ideal”, revela Flávio Salles, presidente da agência. Hoje, com as informações melhor organizadas, a agência elabora mais de duas dezenas de campanhas por ano, com resultados satisfatórios. Uma dessas campanhas, realizada em maio de 2006, foi dirigida às mulheres. A ação buscou estimular a venda dos acessórios Chevrolet na compra dos modelos Corsa, Vectra e Zafira. Com o título “Detalhes são Fundamentais”, as peças trabalham com o paralelo entre os acessórios dos carros e os utilizados pela moda feminina. As peças mostram um lenço, utilizado como cinto ou nos cabelos, enlaçando as peças, para enfatizar que detalhes são fundamentais e fazem diferença. No ato de compra do veículo, as consumidoras recebiam um bônus de R$ 300,00 que podia ser gasto em itens como CD player, DVD ou vidro elétrico.