No limite da razão (parteII)

Uma coisa, pelo menos, aprendi em todos estes anos de experiência com marketing de relacionamento: a fidelidade de um cliente; isto é, a continuada preferência que ele manifesta pelo produto ou serviço da minha marca está ligada a uma percepção não inteiramente racional de conveniência. A inércia, portanto, conspira a
meu favor. Criar um cartão de fidelidade de sucesso pode significar, tão-somente, que conseguimos concretizar a percepção e “blindamos” a conveniência que liga o cliente à nossa marca.

O conceito é simples, não? Mas, ao mesmo tempo, muito difícil de se aplicar na prática. Lembram-se da experiência que aqui contei sobre meu relacionamento com uma livraria? A forma fria e burocrática como me trataram custou-lhes um cliente. Um bom cliente, na minha imodesta opinião, mas, ainda assim, um cliente com o qual eles não conseguiram estabelecer relacionamento mais estruturado. Um cliente que perderam sem que tivessem a chance de conhecê-lo antes. Ruim, mas poderia ter sido pior. Se eu tivesse um cartão fidelidade daquela livraria, teria sido tratado do mesmo modo. E eles teriam me perdido, igualmente. Teriam perdido um cliente conhecido, apenas por não saber reconhecê-lo.

Aliás, é provável que a livraria esteja perdendo muitos clientes por essa razão. Um caso concreto, pelo menos, eu conheço. Um amigo meu dispunha de um cartão dessa rede e, apesar de comprar com significativa freqüência e em volume razoável, sempre foi tratado como um cliente qualquer. Mesmo assim, a conveniência por ele percebida ou pressentida o mantinha como um cliente, como um bom cliente, de forma quase automática. Racionalmente, eram os descontos oferecidos pelo cartão, mas com certeza, havia outros motivos para isso.

No final do ano, após passar algumas horas naquela livraria, escolhendo os presentes de natal, meu amigo chegou ao caixa e entregou o cartão. Estava vencido. E foi recusado. Sem mais aquela. De nada adiantou argumentar com o fato de que não recebera qualquer comunicação, que comprava sempre ali e muito ali e etc etc etc.

A solução apresentada foi fazê-lo ir até a administração, renovar o cartão (eu mencionei que o cartão é pago?). Ele subiu quatro lances de escadas (rolantes, pelo menos!) e chegou à administração. A pessoa que o recebeu, segundo a percepção (!) dele, sequer o olhou. Mandou-o sentar e esperar. Quinze minutos depois, ele levantou-se e foi embora, sem renovar o cartão, sem fazer as compras, jurando nunca mais voltar lá.

O mais triste é que, enquanto esteve de posse do cartão, meu amigo deu uma espécie de passe-livre à empresa para que ela buscasse saber, exatamente, quanto ele comprava por mês em livros e revistas e cds e DVDs. Mais do que isso, qual o porcentual que ele gastava em livros de administração e em livros de ficção, em CDs de jazz e em CDs de música clássica, em DVDs de filmes de ação e de filmes infantis (deduzindo, neste caso, que ele tinha filhos, ou sobrinhos, sem sequer precisar perguntar).

E aí voltamos ao tema da vocação, da qual falamos no artigo anterior. As empresas precisam entender que a opção pelo marketing de relacionamento vai muito além da decisão de lançar um “cartão fidelidade” ou uma promoção “pontos e prêmios”. É necessária uma redefinição cultural da empresa, repensar inteiramente a forma como se encara a importância do cliente no composto mercadológico da marca.
Até a próxima.

Fernando Guimarães é consultor especializado em marketing de relacionamento e marketing direto, e sóciodiretor de planejamento e criação estratégica da M4RMarketing For Relationship. Seu e-mail é [email protected]

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