O fim da hierarquia?

Ao eliminar o excesso de hierarquia, a gestão horizontal propõe uma maior autonomia aos colaboradores. Isso porque ela rompe com o modelo clássico de pirâmide hierárquica, democratizando as decisões e incentivando a interação. Em outras palavras, é a redução de níveis hierárquicos, proporcionando a aproximação dos funcionários, com uma orientação aos processos da companhia por meio da comunicação aberta. “É uma gestão mais próxima. As tomadas de decisões são feitas pela cooperação de todos, transformando em uma administração consensual”, explica Neusa Miguel, presidente da Dom Brasil Diagnósticos.
É favorecida, assim, a aproximação dos níveis institucionais e, sensivelmente, os ruídos de comunicação. “Dessa forma, é possível agilizar, flexibilizar e democratizar os processos decisórios, tornando os departamentos independentes e auxiliando na busca e no atingimento dos objetivos”, revela Neusa, acrescentando que estimula a inovação e a colaboração, que resulta num ganho de produtividade e retenção de talentos. O diretor comercial da Qualitin, Américo Predebon, conta ainda que as organizações com estrutura horizontal contam com uma operacionalidade mais flexível e ágil o suficiente para atender às rápidas mudanças que se desenvolvem continuamente nos mercados. “A ausência de múltiplas camadas estruturais fornece processos simplificados de comunicação e de informação, tornando a organização mais ágil e adaptável à mudança”, detalha.
Quem foi por esse caminho não se arrepende. Com o objetivo de ter a participação dos colaboradores nas decisões corporativas, o Grupo Algar implementou, no final da década de 1990, a Empresa Rede. O projeto tem como base a ideia da liberdade com responsabilidade. A proposta é de aproximação entre líderes e liderados, promover a liberdade de pensamento e autonomia para realizar as atividades. “Foi uma alternativa eficaz de ganharmos mercado e garantir nosso crescimento. Uma mudança necessária para nos tornarmos mais ágeis, garantir a inovação e o engajamento das pessoas no propósito organizacional”, conta Cida Garcia, diretora de talentos humanos da Algar Tech.
Na época, o Grupo tinha cerca de 17 níveis hierárquicos, o que não era ideal em termos de processos de comunicação com os colaboradores e acarretava, às vezes, em demora nos processos de decisão. Por consequência havia baixo nível de engajamento e impacto direto nos resultados da empresa. A primeira iniciativa foi reduzir os níveis hierárquicos para três. “Dessa forma, garantiríamos a aproximação dos gestores com os níveis de base. Agilizaríamos nossas decisões e garantiríamos a aproximação da estratégia com a execução”, revela. Junto a isso, criou o conceito de associado, que é como chama os colaboradores. Nasceu assim o sentimento do “sentir-se dono”. Presente em todos os níveis da organização, a Algar Tech busca viabilizar a participação de todos nas melhorias organizacionais, na evolução do relacionamento com os clientes, na inovação e na construção de um ótimo lugar para se trabalhar.
Outro exemplo é a Vagas.com, que já nasceu dentro desse modelo. Desde a sua criação, em 1999, havia a preocupação dos fundadores em manter o espírito de empresa pequena, sem o papel e a função de comando ou controle. “Só há mais ou menos dois anos a expressão e a consciência de que éramos horizontais surgiu”, conta Erica Isomura, especialista de RH da Vagas.com. A empresa é organizada em equipes – áreas funcionais e comitês multidisciplinares – com no máximo oito pessoas. “Somos radicalmente horizontais, não há níveis hierárquicos.” O resultado é um círculo virtuoso, de pessoas com muito mais autonomia, liberdade que gera um ambiente de muito mais engajamento, sem disputa de cargos, poder e controle.
ADOÇÃO
Claro que mudar para esse modelo não é algo simples. O especialista Roberto Affonso Santos, sócio-diretor da consultoria Ateliê RH, explica que é necessário muito trabalho, debate, discussão, desgaste e treinamento, que requerem uma firmeza de propósito da alta gestão, e não apenas uma fórmula simples de reduzir custos. “A estrutura horizontal traz benefícios e ameaças como qualquer modelo organizacional mal empregado.”
Assim, o passo mais importante de todos, segundo Santos, é o gestor ou acionista principal da empresa se perguntar: para que eu quero transformar a estrutura organizacional vertical-tradicional da minha empresa em uma estrutura achatada ou horizontal? Eu estou preparado para a perda de poder que se acarreta quando as decisões são centralizadas? E os gestores atuais, estão preparados para perder o emprego ou pelo menos o posto, e assumirem um papel de “servidor” em nível de igualdade com os colegas de sua célula de trabalho? “Respondidas positivamente todas estas perguntas, pode-se desenhar um processo de gestão da mudança em que os responsáveis pela gestão e pela mudança já começam desde o princípio a participarem em pé de igualdade para desenhar o futuro da organização”, completa.
Feito isso, é necessário que aconteça uma grande adequação da personalidade da empresa – uma mudança cultural -, já que o poder e a comunicação serão descentralizados, ao mesmo tempo em que se implantará o empoderamento (empowerment) dos profissionais, tornando-os mais autônomos. “É preciso avaliar se os funcionários estão preparados e maduros para essa mudança radical. É imprescindível que saibam discernir entre o que é importante, prioritário e urgente”, alerta Fabiana Sanches, coach, psicóloga e consultora em gestão de pessoas. Assim, os profissionais precisam estar dispostos a enfrentar desafios constantemente, já que não terão superiores o tempo todo para suporte. “As pessoas que produzem somente à base de pressão não são/estão adequadas ou preparadas para esse contexto. Já as autodidatas, com maneira de agir mais independentes e obstinadas pelo próprio desenvolvimento, conseguem se adaptar com mais facilidade.”
MUDAR OU NÃO?
Algumas das características encontradas na gestão horizontal não são exclusividades do modelo, sendo encontradas também em hierarquias gerenciais que operam de maneira eficaz, segundo Rafael Beran, sócio diretor do Instituto Pieron. Mais do que isso, ele comenta que a hierarquia gerencial tem se mostrado a forma de gestão mais adequada – e mais natural – para a maior parte das organizações empresariais. Assim, indica que, antes de pensar em implementar o modelo de gestão horizontal, é importante se perguntar se a hierarquia gerencial da empresa está operando de maneira eficaz e o que fazer para corrigir eventuais problemas. “A verdade é que hierarquias gerenciais são a forma de organização de trabalho mais eficaz e natural e, quando bem estruturadas, são capazes de criar relações de confiança entre líderes e liderados e plena utilização da capacidade de julgamento e tomada de decisão das pessoas”, afirma.
O especialista acrescenta ainda que a gestão horizontal não consegue dar conta de estruturar o trabalho de grandes organizações, que empregam centenas ou milhares de pessoas. “A única forma de organizar o trabalho de um contingente de pessoas, transferindo autoridades em contrapartida de prestação de contas, é por meio de uma hierarquia gerencial”, pontua.

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