Um novo cenário na cobrança



O cenário é de mudança. Com o aumento do crédito e as facilidades de pagamento, o inadimplente brasileiro está disposto a pagar suas dívidas e aberto a negociações que busquem alternativas para a recuperação de crédito. Levantamento encomendado pelo Instituto Geoc (Gestão de Excelência Operacional em Cobrança), e realizado pelo Serasa com 670 entrevistados em outubro de 2007 mostrou que 75% deles não desejam que o credor esqueça a dívida e 79% perdem o sono quando estão devendo. Esse cenário permitiu que os serviços de recuperação de crédito evoluíssem a ponto de trazer para o negócio os grandes contact centers, que identificaram na cobrança uma oportunidade de diversificação. Essa evolução exigiu que as empresas tradicionais e pequenos bureaus reavaliassem seus modelos de negócio, trazendo para o setor mais tecnologia e recursos estratégicos para enfrentar a nova concorrência, além de buscar nas grandes empresas o expertise de executivos de tecnologia e gestão de clientes.

 

Essa “reestruturação” do setor também surtiu o efeito inverso, com as empresas de cobrança montando call centers especializados em recuperação de crédito. Os pequenos bureaus de cobrança também tiveram de se expandir e as empresas tradicionais acabaram por se unir em associações como o Geoc e a Acrefi, buscando a excelência nas operações em cobrança, compartilhando expertise e soluções conjuntas.  “Isso vem acontecendo nos últimos cinco anos, e hoje já temos grandes players estruturados e operando”, conta João Flávio Ribeiro, diretor administrativo-financeiro do Geoc e sócio-fundador da RBZ Assessoria e Consultoria.


Um dos desafios do setor é entender a situação específica de cada cliente inadimplente, e encontrar soluções flexíveis para que ele possa positivar seu crédito e voltar ao mercado. Esse comportamento também já se reflete no levantamento do Geoc. Dos entrevistados, 57,7% afirmaram que o atendente de cobrança compreendeu a situação, 57,2% concordaram que o profissional colaborou para a solução do problema e 66,4% garantem que, do outro lado da chamada, havia um profissional educado. Uma forte evidência de que também os recursos humanos estão evoluindo através da profissionalização e da especialização. “Minha experiência de 20 anos como executivo de cobrança me permite afirmar que temos “negociadores”, e não operadores. Hoje a recuperação de crédito é uma atividade disputada e prestigiada. Algumas vezes há períodos em que ocorre uma entressafra destes profissionais no mercado, o que também contribui para sua valorização. Mas eu diria que dada as características da função, a causa principal é a qualificação destes profissionais, que é fortemente embasada em treinamentos constantes em técnicas de negociação, motivação, oratória e postura ética”, defende Adilson Melhado, diretor de relações com o mercado do Instituto Geoc.


Independentemente do porte da empresa de cobrança, o ponto central da discussão é a especialização e a capacidade de atendimento e entrega dessas empresas, defende Melhado. “A quase totalidade dos clientes contratantes, mesmo de diferentes segmentos da indústria, possuem acordos de níveis de serviços que irão determinar a continuidade dos negócios de cobrança em bases profissionais. De um modo geral, ainda não é perceptível uma clara competição entre call centers e empresas especializadas de cobrança”, acredita.


A opinião é compartilhada por outros executivos do mercado, que acreditam na segmentação dos níveis de cliente. Dessa forma, os call centers ficariam com a gestão do inadimplente recente, aquele que atrasou o pagamento de um carnê ou nota, enquanto as especializadas ficariam com a gestão do cliente que necessita de uma negociação para recuperar não só o crédito para a empresa, mas o crédito do cliente no mercado. “Esse é o grande foco. Quem faz a recuperação de crédito trem de investir em tecnologia, caminhar para uma gestão focada no cliente e manter gestores que conheçam o produto do seu cliente. Para esse serviço, é preciso reconhecimento do produto, do cliente e do mercado, e nesse aspecto as especializadas ganham vantagem”, justifica Sérgio Gonzáles, estrategista da Portari Assessoria, especializada em cobrança.


Qualidade, criatividade e desenvolvimento nos negócios, esses são os diferenciais que as empresas devem apresentar em seus resultados de recuperação de crédito. “A atividade de cobrança possui características próprias e, como na sociedade, tem códigos e limites bem definidos que permitem mover-se com rapidez, eficiência e modernidade, num ambiente onde a inteligência em relacionar-se e interagir com pessoas é que acaba por conferir mérito de atuação pró-ativa junto ao mercado consumidor”, comenta Marisa Caterina Canepa, diretora comercial da Fluxo. A empresa também atua no sentido de induzir uma mudança de comportamento no consumidor inadimplente, para a conscientização da necessidade do planejamento financeiro pessoal para se evitar armadilhas.


Atualização constante das tecnologias, estrutura enxuta, revisão constante de custos e processos, investimento em treinamentos e em inteligência nas operações, esses são os fatores fundamentais para o crescimento da empresa, segundo Orlando Lacanna Filho, diretor da Infocred. “Entender e atender cada vez mais às necessidades do cliente contratante, através de todas essas ações, este é o diferencial para se manter no mercado”, acredita. José Augusto de Rezende Junior, diretor operacional da J.A. Rezende, concorda que o mercado está cada vez mais exigente. “Os grandes contratantes querem empresas com estrutura, pessoal e tecnologia de ponta. A empresa de cobrança que deseja se situar neste mercado tem de investir para garantir sua sobrevivência”, explica.


A disponibilidade de recursos é essencial na evolução para enfrentar um mercado que se expande e gera novas frentes de negócios. Empresas que não se prepararem e investirem em soluções e recursos não vão conseguir competir no mercado, argumenta Emirio Yamada, presidente do Grupo Siscom. “Acredito que exista espaço para todos, grandes ou pequenos, porém a capacidade de captação e atendimento de grandes clientes sempre vai incidir naqueles que possuem capacidade de investimento e adaptação para atender as demandas dos contratantes”.


Fornecedores também têm a mesma opinião e já começam, inclusive, a desenvolver soluções customizadas para pequenos bureaus e empresas com especialização em segmentos. Para estas empresas, o negócio tem que ter alto volume e baixo custo. “A atuação do call center geralmente entra num modelo direcionado, onde os clientes são selecionados e onde há uma preocupação em gerar indicadores que permitam continuar atendendo financeiras e outros clientes de cobrança. O call center faz uma parte do serviço, mas a estratégia das pequenas é a especialização por segmento (por cliente ou produto), e estas estão capitalizando a experiência e conhecimento ao longo dos anos, transformando a forma como atuam de forma mais direcionada. Obviamente, a empresa tradicional não vai competir por meio de grandes centrais de relacionamento, mas com diferenciais como senioridade, excelência em resultados e alinhamento de estratégias”, ressalta Celso Mugnela, especialista de indústria para áreas de finanças e seguros do SAS.


Trabalhar e fortalecer diferenciais como expertise, combinando-o com melhorias de processos e parcerias com fornecedores de soluções e tecnologia também é essencial. “A empresa deve ser empreendedora, buscando no acompanhamento das mudanças comportamentais dos consumidores oportunidades para cobrá-los com mais eficiência e transparência”, conta César de Aquino, diretor de novos projetos e negócios da Z6-Soluções.

 

NOVAS DEMANDAS

Com as facilidades de crédito e um cenário econômico aquecido, algumas empresas começaram a terceirizar o serviço de cobrança. Outras tantas, já adeptas das empresas de recuperação de crédito e conscientes das facilidades de crédito atuais, começam a exigir novas estratégias e resultados mais concretos. Assim, surgiu a especialização -automotivo, cartão de crédito, varejo etc. Outras mantiveram o foco aberto, mas com cobrança diferenciada, estruturas independentes e concorrenciais, com planejamento estratégico, metas e avaliações constantes, de modo que a operação ao final de um período deva se mostrar lucrativa – ou reavaliada. “Esta demanda e aumento da terceirização levaram os empresários do ramo de cobrança a aumentarem  de maneira rápida e dinâmica a operação em todos os níveis, bem como buscar novas tecnologias e sistemas operacionais para o trato massivo da cobrança, usando de todas as ferramentas disponíveis em TI”, comenta Ribeiro.


Mas engana-se quem pensa que o crescimento da demanda vem de novos negócios. “O atendimento às novas demandas têm se concentrado, prioritariamente, nos clientes existentes no portfolio, em razão do aumento no volume de negócios decorrente da estabilidade econômica, bem como da maior oferta de crédito pelas instituições financeiras, e na medida da capacidade de investimento das empresas no atendimento a novos clientes”, explica Melhado. O diretor de relações com o mercado do Geoc conta que, com a excelente fase que atravessa o País, os variados segmentos apresentam crescimento acelerado em serviços de cobrança, e essa tendência é puxada pelos segmentos de financiamento de automóveis, emissão de cartões de crédito e crédito varejista. “A boa notícia é que a inadimplência vem caindo moderadamente, e apesar do crescimento extraordinário do crédito, o mercado não se assusta com o crescimento da cobrança, pois aquele cresceu mais do que esta, proporcionalmente”.


Mas o grande demandante de serviços de cobrança ainda é o setor financeiro. “Através dos vários segmentos e produtos ofertados ao consumidor de crédito, seja no financiamento de bens de consumo, empréstimos pessoais, leasing e financiamento de veículos, entre outros, a demanda decorre da forte bancarização no País, e claro, devido ao tamanho deste mercado”, resume Melhado.


A visão de um modelo de prestação de serviços de cobrança como uma operação em série e com um script pré-definido é obsoleta e restrita mesmo quando se considera um elevado número de PA’s. Essa é a opinião de Marisa. “O uso eficiente de tecnologia de ponta aliada ao competente sistema de treinamento e reciclagem do pessoal, visando sempre à especificidade na atuação, acabam por definir a excelência dos níveis de contatos e resultados obtidos”, explica a diretora.


A Siscom realiza um planejamento comercial anual que prevê o crescimento da empresa de acordo com o mercado. “Mas existem situações especiais que fogem disso. Para atender nossos parceiros, precisamos estar sempre preparados. Possuímos um planejamento de contingências que vão desde infra-estrutura e pessoas, até captação de recursos financeiros. Não existe o acaso (ou imprevistos) desde que exista um bom planejamento orçamentário. Precisamos estar sempre preparados para as oportunidades”, defende Yamada.


Ampliar o parque de soluções tecnológicas e aumentar o conhecimento da área são algumas das técnicas para se manter no mercado e conquistar bons clientes. “As empresas também tem caminhado para espaços mais adequados, com estruturas enxutas que atendem nichos específicos de mercado, segmentando a carteira de clientes do cliente. Além disso, pessoas e gestores especializados diminuem os custos da operação, porque trazem consigo o compromisso com a equipe e com a empresa. Esse é o grande trunfo das especializadas”, comenta Gonzáles.

 

CLIENTE RECUPERADO

Cliente, hoje, é o grande “mocinho” da estória. É assim que define Ribeiro, do Geoc. “Denominações como devedor e inadimplente ficaram no passado e hoje ele é chamado de cliente. A cobrança voraz de antigamente cedeu lugar a convites para um diálogo, chegando-se ao extremo, que é o “convite para café da manhã”, para solucionar em conjunto o atraso, oferecendo propostas tentadoras para a solução do atraso, tudo para que, ao final, o ciente reconheça que foi bem atendido por aquela Empresa de Cobrança e que o Banco/Financeira que o financiou contrata excelentes prestadores de serviços”. Melhado concorda, e lembra que já há tempos o setor abandonou a visão antiquada que via o cliente devedor como um problema. “Hoje, todos os nossos esforços estão direcionados a recolocar este cliente novamente no mercado de consumo. Infelizmente, algumas vezes, mesmo as mais competitivas condições negociais para possibilitar ao cliente que ele liquide suas pendências financeiras junto aos credores são insuficientes para que possamos recuperá-lo de forma imediata. Neste caso, temos que ser pragmáticos e buscar os valores prioritariamente”, defende.


O operador de cobrança representa o cliente e é importante que saiba atendê-lo com respeito, expertise e tato, explica Gonzáles. “Hoje os escritórios têm de oferecer o serviço completo, ou seja, recuperar o crédito e o cliente. O cliente não deve ser cobrado, e sim, tratado. A qualidade das pessoas que efetuam a operação é que vai determinar quantas estações de trabalho são necessárias para atender à demanda”, conta. A Portari atende cerca de 11 clientes, entre eles os bancos Safra, Bradesco, HSBC e empresas como a Financial e a Caterpillar. Lacanna, da Infocred, diz que a empresa deve ter a preocupação de criar condições para o inadimplente acertar seus débitos e voltar ao mercado para novas compras.

 

Na Fluxo, o agente de cobrança recebe o nome de “consultor de negócios” e sua atuação é orientada por um rigoroso Código de Ética próprio. “Cobrar é sinônimo de prestar um serviço ao devedor na orientação financeira. Fundamentada na orientação econômico-financeira do devedor, a cobrança deve objetivar a rápida recuperação do crédito e o retorno do inadimplente ao mercado consumidor”, define Marisa. Da mesma forma, a missão da Siscom é manter o cliente “dentro de casa”, podendo demonstrar a excelência na qualidade do atendimento que a empresa dá aos clientes dos seus clientes. “No nosso setor existe uma grande sinergia com o contratante. Somos a extensão do negócio deles, portanto, a parceria e colaboração são síntese do nosso relacionamento com eles”, conclui Yamada.

 

 

 

 

Tecnologia já é realidade no setor

A velocidade dos avanços tecnológicos aliada às facilidades de acesso a novas soluções tornaram os recursos tecnológicos acessíveis à quase totalidade das empresas de cobrança. “Hoje, existe uma boa diversidade de canais para contato com cliente, o que se traduz em operações de alto volume e baixo custo”, avalia Adilson Melhado, diretor de relações com o mercado do Instituto Geoc.

 

As empresas realizam o contato operacional, mas é também necessário sucesso na operação, de forma que se possa identificar o perfil do cliente. Para estabelecer metas, é necessário alguém para dar suporte e identificar quais os melhores indicadores. E como classificar o risco de recuperação de crédito? A partir desse risco, você consegue identificar o perfil do profissional que fará o contato. São nesses momentos que a tecnologia faz a diferença”, esclarece Celso Mugnela, especialista de indústria para áreas de finanças e seguros do SAS.

 

Preocupadas com esse cenário, algumas das grandes empresas de cobrança se preocuparam em buscar e investir através da formação de grupos que permitissem a livre torça de idéias. “Mas boa parte das demais (médias e pequenas) empresas vêem evolução em tecnologia voltada a sustentar o modelo de crescimento de PA’s, e não enxergam processos diretamente ligados à operacionalização da cobrança na visão do inadimplente. Esta visão, com o uso soluções com tecnologia e voltadas a este segmento, permitirá uma redução de custos com aumento de eficiência e qualidade, servindo para apoio a um crescimento adequado de PA’s”, ressalta Aquino, da Z6.

 

 

 

 

Tradição

Aliados ao expertise da empresa tradicional de cobrança, os recursos humanos, valorizados pela profissionalização, acabam por tornar-se o grande diferencial na gestão de inadimplentes. “Experiência e expertise se adquirem com o tempo. Eu diria que a empresa de cobrança pode facilmente adquirir expertise em call center, bem como a empresa de call center com o tempo adquirirá a expertise em cobrança, porém ambas focadas em determinada etapa do business”, acredita Ribeiro, do Geoc. O executivo explica que a nova empresa de cobrança tem que ter o seu call center e evoluirá para tal, da mesma forma, a empresa de call center terá que evoluir para uma cobrança de mais resultado.

 

Os clientes, quando contratam um serviço de recuperação de crédito, esperam a busca pela superação de resultados, que são traduzidos pelos índices de recuperação de crédito elevados, com qualidade e baixíssimos indicadores de reclamações e falhas de processos. “É este expertise que nos possibilita reter nossos clientes, mas o verdadeiro trunfo vem do fato de que muitas empresas possuem hoje a capacidade e recursos para realizar a cobrança de forma continuada, isto é, iniciam a cobrança dos clientes com vencimentos ainda bastante recentes, continuando até prazos mais longos e, por fim, realizando a cobrança na fase judicial daqueles casos passíveis de ajuizamento. Esta condição permite aos clientes contratantes um grande conforto no momento da decisão pela contratação dos parceiros de cobrança”, comenta Melhado.

 

 

 

 

Em nome da excelência

Se, por um lado, a expansão de crédito e as novas oportunidades de mercado geraram mais negócios para o setor, por outro, as empresas de cobrança foram obrigadas a se expandirem, e as tradicionais acabaram por juntar suas forças em entidades como o Instituto Geoc, que tem a função de agregar todas as grandes empresas de cobrança do País, inclusive empresas de call centers, buscando na excelência em operações de cobrança , compartilhando problemas e encontrando soluções conjuntas.

 

Entre as inúmeras ações promovidas pelo instituto, destaca-se o lançamento do Selo de Qualidade do Instituto Geoc, em parceria com a Fundação Getulio Vargas, que funcionará com uma certificação aos clientes de que a empresa possuidora do selo está alinhada e aderente há mais de sessenta diferentes itens de administração estratégica, financeira, infra-estrutura, TI, qualidade, controles, e administração da cobrança, tanto na esfera amigável quanto judicial. “Também destaco que, no último ano, tivemos o ingresso de quatro novas importantes empresas de cobrança no quadro de associadas do Instituto, e que contribuíram para superarmos a marca de mais de 10 mil negociadores de cobrança”, comenta João Flávio Ribeiro, diretor administrativo-financeiro do Geoc.

 

A exemplo das demais empresas, o foco dos negócios está na recuperação de crédito de forma ativa, além de posições dedicadas a cobrança receptiva e cobrança inicial de produtos em atraso (tele-cobrança). Somadas, as empresas atuam em diversos segmentos, como cartões de crédito, produtos bancários, veículos, energia elétrica e grandes redes de varejo. “Para 2008, o Instituto estará envidando todos os esforços de seus membros para a consolidação de sua missão, como uma entidade destinada ao fortalecimento da indústria de cobrança, através do compartilhamento das melhores práticas de gestão, promoção de soluções inovadoras e da constituição e difusão de conhecimento. O conjunto destas ações objetivam o desenvolvimento do mercado de crédito e cobrança promovendo ainda a educação e a inclusão social”, completa Adilson Melhado, diretor de relações com o mercado do Instituto Geoc.

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