A mente quieta, a espinha ereta, o coração tranqüilo

Essa frase é um verso de Wálter Franco, músico e poeta que fez algum sucesso nas décadas de 70 e 80, e remete à postura que se deve assumir em uma meditação. Pensando bem, ela se aplica com perfeição ao processo de aprendizagem ou de treinamento.

Comecemos pela mente quieta. Estaríamos frente a um paradoxo? Afinal, nos acostumamos a ouvir elogios à inquietude, às pessoas que não se acomodam ao que sabem ou ao que fazem, às pessoas que buscam crescer continuamente e que se esforçam para descobrir novas formas de realização. Mas você não se pergunta por que algumas dessas pessoas conseguem atingir seus objetivos e outras não? Enquanto alguns vão consolidando o conhecimento adquirido e aplicando-o produtivamente, outros se debatem em sua inquietude, numa busca que termina trazendo apenas insatisfação.

De fato, na aprendizagem há espaço para ambas as atitudes. Uma inquietação geral, uma recusa à acomodação, sentimentos que devem estar no ponto de partida. Face ao objeto do aprendizado, você tem de se aquietar, esvaziar a mente, como dizem os orientais.

Conta-se que um jovem mandarim, ávido por novos conhecimentos, ouviu falar de um sábio taoísta que morava em um pequeno templo no alto de uma montanha. O mandarim foi até ele e suplicou que o mestre o aceitasse como discípulo. O velho convidou-o, então, para tomar chá. Enquanto preparava a cerimônia, com o vagar exigido, o jovem falava sem parar, contando sobre tudo o que aprendera, todos os livros que lera, todos os cursos que fizera, todos os mestres que escutara. Finalmente, o chá ficou pronto e o velho começou a encher a xícara do jovem, que não parou de falar nem nesse momento. Aos poucos, a xícara foi ficando cheia e começou a transbordar. O mestre não parou, continuando a despejar o líqüido. O jovem não suportou mais a estranha situação e interrompeu o mestre, avisando-o que não cabia mais chá na xícara. O velho taoísta pousou a chaleira e, olhando nos olhos do jovem mandarim, disse que também nada lhe poderia ensinar, pois a sua cabeça estava tão cheia de conhecimentos anteriores que qualquer coisa a mais transbordaria, desperdiçando-se.

É claro que, em um treinamento, não se começa fazendo com que a pessoa a ser treinada desaprenda tudo. Apenas que seja receptiva, que escape da armadilha da inteligência. Sabe por que o Titanic afundou? Porque todo mundo sabia que ele havia sido planejado para não afundar. Enquanto viajava para seu trágico destino, o comandante recebeu avisos sobre a presença de icebergs. E ignorou todos! Da mesma forma, dei um seminário sobre criação em marketing direto. Alguns estavam menos interessados em aprender algo com meus 20 anos de experiência do que em provar seus próprios pontos de vista. O debate, em alguns momentos, ficou interessante; eu acho até que aprendi uma ou duas coisas mais, mas fiquei com a sensação clara de que algumas daquelas pessoas navegavam firme e despreocupadamente em direção a grandes icebergs.

E quanto à espinha ereta? Bem, todos sabemos a importância da postura física para a produtividade profissional. No caso da aprendizagem, podemos tomar a expressão como uma metáfora. É importante estar confortável, sentir-se bem face ao novo conhecimento a ser adquirido. A mente quieta e o coração tranqüilo de modo algum devem significar que você abdica do senso crítico. Os participantes do seminário tinham o direito, e até a obrigação, de esclarecer o que não entendiam e questionar o que não concordavam. É como o processo digestivo: a forma tem de ser agradável para facilitar a ingestão do conteúdo, que deve ser bem mastigado para se transformar em energia. Não quer dizer que você vai ter de engolir ou conseguir engolir tudo: sempre sobram resíduos que precisam e devem ser descartados.

Resumindo, o aprendizado de algo exige uma postura receptiva mas não acrítica. A humildade de querer aprender mas não a subserviência de aceitar tudo como verdade absoluta. E a inocência para receber com alegria e questionar na mesma medida.

*Fernando Guimarães é consultor especializado em marketing de relacionamento e responsável pela área de marketing do Programa Smiles, da Varig.
e-mail: [email protected]

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“A mente quieta, a espinha ereta, o coração tranqüilo.”

A frase do título é um verso do Walter Franco, músico e poeta que fez algum sucesso nas décadas de 70 e 80. Ela remete de forma imediata à postura que nós devemos assumir em uma meditação. Pensando bem, ela se aplica com perfeição ao processo de aprendizagem, ou a um treinamento.
Comecemos com a parte da mente quieta. Estaríamos frente a um paradoxo? Afinal, acostumamo-nos a ouvir elogios à inquietude, e ao tipo de pessoas que não se acomodam ao que sabem ou ao que fazem, pessoas que buscam crescer continuamente, que se esforçam para descobrir novas formas de realização. É verdade; mas você não se pergunta por que algumas dessas pessoas conseguem atingir seus objetivos e outras não? Enquanto alguns vão consolidando o conhecimento adquirido e aplicando-o produtivamente, outros ficam se debatendo em sua inquietude, em uma busca que termina trazendo apenas insatisfação.
O fato é que, na aprendizagem, há espaço para ambas as atitudes. Uma inquietação geral, uma recusa à acomodação, sentimentos que devem estar no ponto de partida. Face ao objeto do aprendizado você tem que se aquietar, esvaziar a mente, como dizem os orientais.
Conta-se que um jovem mandarim, ávido por novos conhecimentos, ouviu falar de um sábio taoísta que morava em um pequeno templo no alto de uma montanha. O mandarim foi até ele e suplicou que o mestre o aceitasse como discípulo. O velho convidou-o então para tomar chá. Enquanto preparava a cerimônia, com o vagar exigido, o jovem falava sem parar, contando sobre tudo o que aprendera, todos os livros que lera, todos os cursos que fizera, todos os mestres que escutara. Finalmente, o chá ficou pronto e o velho começou a encher a xícara do jovem, que não parou de falar nem nesse momento. Aos poucos a xícara foi ficando cheia e começou a transbordar. O mestre não parou, continuando a despejar o líquido. O jovem não suportou mais a estranha situação e interrompeu o mestre, avisando-o que a xícara estava cheia e não cabia mais chá. O velho taoísta pousou a chaleira e olhando nos olhos do jovem mandarim falou que também nada lhe poderia ensinar pois a sua cabeça estava tão cheia dos conhecimentos anteriores que qualquer coisa a mais transbordaria, desperdiçando-se.
É claro que, em um treinamento, não se começa fazendo com que a pessoa que será treinada desaprenda tudo. Apenas que seja receptiva. Que escape de armadilha da inteligência. Sabe por que o Titanic afundou? Porque todo mundo sabia que ele havia sido planejado para não afundar. Assim, enquanto viajava para seu trágico destino, o comandante recebeu avisos sobre a presença de icebergs. E ignorou todos! Da mesma forma dei um seminário sobre criação em marketing direto. Algumas pessoas estavam menos interessadas em aprender algo com meus 20 anos de experiência do que em provar seus próprios pontos de vista. O debate, em alguns momentos, ficou interessante, eu acho até que aprendi uma ou duas coisas mais, mas fiquei com a sensação clara de que algumas daquelas pessoas lá navegavam firme e despreocupadamente em direção a grandes icebergs. Que nem o Titanic. E o jovem mandarim. Estavam tão cheios do conhecimento que a informação nova simplesmente foi desperdiçada.
E a história da espinha ereta? Bem, todos sabemos a importância da postura corporal para a produtividade profissional. Mas, no caso da aprendizagem, podemos tomar a expressão como uma metáfora. É importante estar confortável, sentir-se confortável face ao novo conhecimento que se vai adquirir. A mente quieta e o coração tranqüilo, de modo algum, podem significar que você abdica do senso crítico. Os participantes do seminário tinham o direito, e até a obrigação, de esclarecer o que não entendiam e questionar o que não concordavam. É como o processo digestivo: a forma tem que ser agradável para facilitar a ingestão do conteúdo, que deve ser bem mastigado para se transformar em energia. Não quer dizer que você vai ter que engolir ou conseguir engolir tudo: sempre sobram resíduos que precisam e devem ser descartados.
Resumindo, portanto, o aprendizado de algo exige uma postura receptiva mas não acrítica. A humildade de querer aprender mas não a subserviência de aceitar tudo como verdade absoluta. A inocência para receber com alegria e questionar na mesma medida.
Fernando Guimarães é consultor especializado em marketing de relacionamento. Atualmente é responsável pela área de marketing do Programa Smiles, da Varig. Endereço eletrônico: fernando.guimarã[email protected]

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