E agora, José?



A relação mudou. Mudou, mesmo, pode ser a pergunta. Mas como em toda mudança, a acomodação pode até demorar, mas chega. Se até alguns anos atrás eram as empresas que estavam no topo da pirâmide, lançando produtos que se transformaram em sucesso de vendas sem muita pirotecnia, hoje o cliente tem a boca das redes sociais e vem impondo transformações nesta relação de consumo. Ele ganhou tanto poder que já pode ser comparado a um ditador, como reflete a tese de Becky Carrol, da UC San Diego. E o resultado é prático: não dá mais para ignorar as necessidades, anseios do cliente, como dantes. Mais influente e com uma nova postura, com linguagem própria, está super exigente e com novas necessidades. Ele vem obrigando o mercado a agir de uma forma completamente oposta ao que sempre foi regra.

Mais do que nunca, as empresas estão sendo obrigadas a recriar, repensar as estratégias de relacionamento – seja na venda, comunicação ou atendimento -, agora, sempre a partir da perspectiva do cliente. “Mais influentes e com altas expectativas, eles passaram a comandar as relações de consumo. E as empresas passaram a ter que escutá-los primeiro para depois agir”, esclarece a autora do livro The Hidden Power of Yours Customers, no Seminário Internacional, realizado pela Conference ClienteSA,  em setembro, na cidade de São Paulo.

Para ela, que também é consultora de várias empresas situadas entre as 100 maiores da Fortune, as empresas que entenderem primeiro essa mudança sairão na frente. “O cenário mudou e as empresas precisam correr atrás para lidar com isso. Há uma necessidade urgente de colocar o foco no cliente”, aponta Becky, ao apresentar a sua tese Customers ROCK – Relevant marketing, Orchestrated customer experience, Customer focused culture e Killer customer service.

Isso porque os clientes estão comprando uma experiência e não mais um produto ou serviço. Como consequência, aumentou a necessidade de dar atenção a todo o ciclo de vida do cliente, da pré-venda à pós-venda. “Se o cliente notar que a empresa o está deixando de lado, ele não irá pensar duas vezes antes de trocar por outra marca”, alerta, acrescentando que atualmente o risco é maior ainda, pois hoje eles comentam mais sobre suas experiências de consumo, até por ser mais fácil, já que contam com as redes sociais. “Um comentário negativo no Twitter pode, por exemplo, chegar a milhares de pessoas em questão de segundos e prejudicar a imagem da empresa”, explica.

NO ALVO
A principal mudança que deve haver nas empresas é de se colocar no lugar do cliente, assegura Becky. Primeiro ponto abordado em sua tese, o Relevant marketing defende que as marcas devem conhecer cada detalhe do cliente para agir de acordo com as suas expectativas. Neste aspecto, ela coloca como fundamental saber em que lugar ele está dentro do seu ciclo de vida na empresa: se são velhos clientes que buscam novidades, se apenas esperam um bom atendimento, ou se são novos. “Eles não são iguais. Cada um desses tem sua necessidade. Saber o que é importante para cada um permite a realização de uma comunicação mais relevante, trazendo-os para perto da empresa e fazendo com que tenham a marca na cabeça”, explica Becky.

Já na hora de interagir, Becky reforça que é preciso saber o canal que ele prefere e para quais tipos de comunicação é mais receptivo. “É importante sempre ter em mente quais tipos de comunicação você mantém, se são de vendas, propaganda, informativa, e de que forma cada cliente recebe isso”, pontua. Outro ponto importante é em relação às redes sociais. Ela ressalta que elas não devem ser utilizadas para campanhas, mas como parte de uma estratégia de relacionamento.

MOMENTO ÚNICO
A busca das empresas também já não pode mais ser apenas por oferecer um produto ou serviço de qualidade. O que os clientes querem realmente é ter uma experiência de consumo. Ao abordar o tópico Orchestrated customer experience, Becky afirma que quando se encanta o cliente, seja num simples ato de agradecer ou na lembrança do seu nome, a empresa consegue construir um relacionamento e criar um laço de fidelidade.

Porém, essa não é uma tarefa fácil. O processo começa por entender as expectativas do cliente – o que ele busca, quais ações mais lhe agrada, quais os pontos de satisfação. Nessa etapa, também se deve mapear a experiência atual dele com a marca e identificar os “momentos de ouro” em que ficou encantado com o produto ou atendimento. Becky também acrescenta a importância de buscar benchmarks do mercado. “Mas não para copiar, e sim aprender com eles”, salienta.

Com essas informações em mãos, a empresa deve reinventar a experiência, buscando fazer algo consistente. Isso passa por tratar de maneira diferente clientes diferentes e fazer o melhor em cada contato. “Temos que criar uma experiência única, que não pode ser copiada. Algo tão significativo que fique na lembrança do cliente”, afirma a Becky, ressaltando que esta deve ser uma ação contínua.

CULTURA EMPRESARIAL
Ela também alerta para a necessidade de ter o cliente no DNA da empresa, caso contrário não haverá um relacionamento verdadeiro. Esse foi o principal ponto abordado dentro do tópico Customer focused culture. “O cliente precisa fazer parte da cultura da empresa”, frisa Becky. A gestão deles deve deixar de ser de responsabilidade apenas de um departamento, para incluir toda a empresa. Dessa forma, os funcionários são fundamentais por estarem em contato direto com os clientes. É importante cuidar deles, espalhando a cultura voltada para o cliente entre todos. “Por isso, contrate pessoas que naturalmente gostem de lidar com pessoas e que tenham criatividade para lidar com problemas”, aconselha. Também é preciso fazer marketing para os funcionários, criando conexões para que tenham acesso às informações sobre os clientes, além de dar poder a eles para que tomem as decisões certas.

As estratégias também precisam ser construídas a partir das necessidades dos clientes. O melhor caminho para que isso aconteça é ficar mais próximo deles. De acordo com Becky, é importante identificar quem são, porque continuam sendo cliente, o que é importante para eles e se já tiveram problemas. Nesse ponto, ela acrescenta a necessidade de saber quais os clientes que poderiam trabalhar a favor da empresa, divulgando suas boas experiências. Para ter essa informações, a Becky indica às organizações mantenham um contato permanente no contact center, tenham programas de voz do cliente e monitorem tudo que é publicado nas mídias sociais, assim como construir métricas baseadas em lealdade e fidelização.

Ela comenta ainda que, mudar o foco é algo difícil, pois se trata de uma transformação radical, que normalmente leva de dois a três anos. “Mas não é algo impossível. A melhor forma é começar com um pequeno exemplo. Pode se fazer isso pegando uma área como modelo”, pontua Becky.

ALÉM DAS EXPECTATIVAS
Com o cliente buscando cada vez mais experiências ao invés de produtos, o atendimento passa a ser fator fundamental, segundo Becky. “É importante que as empresas mudem a mentalidade sobre o atendimento. Elas precisam começar a fazer melhor do que já fazem. Só assim iram encantar o cliente”, esclarece ao abordar o tópico Killer customer service.

Ela explica que é preciso colocar o cliente em primeiro lugar para atender bem diante de suas necessidades e, sempre que possível, se antecipar. Diante desse desafio, se faz necessário construir um histórico das relações anteriores do cliente com a empresa. “Deve-se registrar todas as interações do cliente com a marca para conhecê-lo melhor. Dessa forma, será possível oferecer um atendimento personalizado”, justifica e finaliza.

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E agora, José?


Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902, na cidade mineira de Itabira. Sem dúvida alguma, foi o maior poeta que o Brasil já teve. Escreveu primorosos poemas como, por exemplo, “No meio do Caminho”, que fala incessantemente de uma pedra que estava no meio do caminho. Você certamente está se perguntando o que Carlos Drummond de Andrade tem a ver com o mercado farmacêutico, por que é citado numa publicação com o conteúdo voltado para o canal farma.

Eu explico. Primeiro, por que o poeta diplomou-se em farmácia nos idos de 1925, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. E, segundo por que seus poemas têm tudo a ver com o momento que vivemos atualmente no nosso varejo. A começar pela pedra que estava no meio do caminho, muitos empresários encontram-se com uma enorme pedra no meio do caminho e precisam removê-la. Muitos hão de se perguntar: Que pedra é essa? Pois bem, eu diria que não é uma única pedra, são várias:

– A inexistência de produtos de alto custo em nossas lojas, fazendo com que as Indústrias privilegiem os “deliveries” no direcionamento das receitas médicas;

– As trocas de medicamentos em desacordo com a Lei 7991/99, pois sabidamente muitas das farmácias efetuam as substituições por produtos similares, quando a lei permite a troca apenas por genéricos;

– O sistema de remuneração dos atendentes adotado por grande parte das farmácias, que privilegia uma categoria de produtos e acaba interferindo na tomada de decisão das indústrias, que fazem propaganda médica ao elegerem os parceiros de varejo, pois se a remuneração do atendente depende da troca, fica evidente que ele tem o poder da gestão e isso não interessa ao nosso cliente “indústria”, que buscará parceiros cuja formalidade é maior, ou seja, aquele que efetivará junto ao paciente o produto escolhido pelo prescritor.

Se formos enumerar as pedras que temos pelo caminho não bastaria o espaço de um artigo, mas indubitavelmente a maior pedra encontrada é a que estamos vivendo na prática, que é o movimento de operação logística adotado pelas maiores indústrias farmacêuticas, sobretudo as multinacionais.

Esse movimento, iniciado há cerca de dois anos, já é uma realidade sem volta. As indústrias estão trabalhando um painel bastante reduzido de farmácias, com o intuito de buscar um relacionamento efetivo com cerca de 13 mil PDV’s que atendem por 75% da demanda de medicamentos no País, segundo dados do IMS Health (instituto que audita o mercado). Algumas farmacêuticas atuam com um painel ainda menor.

E, por que essa é a maior pedra? Porque as farmácias que estão ficando de fora desses programas perdem competitividade no mercado. E o principal objetivo das indústrias é resgatar a gestão comercial do canal, ou seja, as farmácias participantes recebem descontos e serviços que as demais não irão receber, até porque esses descontos não são e não serão oferecidos apenas pelo poder econômico de determinados estabelecimentos, como ocorreu até hoje na relação com os distribuidores. Esse desconto é, na verdade, uma maneira que as indústrias encontraram para remunerar o serviço prestado.

Ao voltarmos à literatura de Drummond, lembrei-me do célebre “José”, que discorre o seguinte:

“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, Você?

Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama, protesta? E agora, José?

Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou. E agora, José?

E agora, José? sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, e agora?

Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse…

Mas você não morre, você é duro, José!

Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja do galope, você marcha, José!

José, para onde?”

Diante do texto de Carlos Drummond de Andrade eu hei de perguntar: E agora José? E agora você? A festa acabou. Será que trocar os medicamentos de receita médica foi uma boa estratégia? O povo sumiu. Será que é por que as indústrias estão direcionando os pacientes para comprarem em outros estabelecimentos? Você que é sem nome. Será que você não é conhecido e nem reconhecido por aqueles que representam mais de 50% de tudo que se consome em medicamentos no Brasil? Você que zomba dos outros. Será que você estava certo, quando dizia “agora que eles precisam de mim, eu vou me vingar”. Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?

Você, empresário que sabe que muitos caminhos poderiam ter sido diferentes e que certamente muitas pedras poderiam ter sido evitadas, sabia também que o poema “José” termina com um fio de esperança para todos nós, que queremos e sabemos que ainda é tempo de mudar, pois como disse o poeta: “Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja do galope, você marcha, José!”

Só não faça como o poeta que demonstrou pouco interesse pela sua profissão de farmacêutico, até porque poucos, mas muito poucos mesmo, conseguirão viver de poemas.

Edison Tamascia é empresário do setor farmacêutico há mais de 30 anos. O executivo é presidente de uma rede de farmácias no interior de São Paulo (Farmavip) e de duas federações (Faesp e Febrafar), além de membro efetivo da Câmara do Comércio de Produtos Farmacêuticos da CNC (Confederação Nacional do Comércio).

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