Há mais de dez anos, além de trabalhar com tecnologia de aplicação em CRM (Customer Relationship Management), estou diretamente envolvido nas questões que se referem a relacionamento com clientes. Em todo esse tempo, o discurso mais comum talvez seja “precisamos fidelizar nossos clientes, já que adquirir novos custa cinco vezes mais caro do que manter os existentes”. Estudos recentes mostram que os ciclos de mudanças em produtos e o mix de ofertas são acelerados. AC Nielsen, em pesquisa feita no ano passado, apurou que 71% dos consumidores mudaram a lista de compras nos supermercados. Mas o número dos que a mantiveram cresceu 16%. Mudam os hábitos, mudam as necessidades. E esse é só um exemplo do que acontece em todas as indústrias, do varejo aos serviços profissionais. Da comida a serviços bancários.
Ora, dirá o leitor ou leitora, se isso é verdade, a tarefa de manter clientes é realmente muito dura. Não tenham dúvidas. Mas ela pode se tornar quase impossível quando não se cumpre o que promete. É comum a não-entrega do que se vende e bombardeio do cliente com mensagens e ofertas conflitantes.
Empresas que fornecem mais de um produto desejam vender mais ao mesmo cliente. A chamada venda cruzada. Além de ser essa uma venda que, por si só, representa muito, também é uma chance de estreitar o vínculo com o cliente. Todos sabem que o consumidor de vários produtos tem menos chance de deixar a empresa do que aquele que só usa um. No ramo de serviços, esse fato é a regra. Mas o que se vê? A TV a cabo que não sabe lidar com os problemas simples do dia-a-dia, como uma cobrança em duplicidade, insiste com o mesmo cliente, que, no caso sou eu, quase diariamente, querendo que assine o serviço de banda larga. Por que eu faria isso? Para ter dois problemas? Já basta um. E o pior é que, quando aproveito para tentar fazer uma compra cruzada, isto é, digo a agente de televendas que eu aceitaria a proposta desde que me devolvessem o dinheiro que me cobraram a mais no outro serviço, adivinhem a resposta! “Desculpe senhor, mas nada posso fazer a esse respeito, mas conosco isso não vai acontecer”. Ora, se o serviço da TV a cabo fosse bom (não excepcional ou encantador, mas apenas bom e correto), a chance de eu adquirir o serviço de banda larga certamente seria maior do que é hoje. Mas não. O serviço é problemático e a operadora ainda acha que eu vou comprar mais alguma coisa… Por outro lado, se fizessem apenas o que é possível e certo, talvez eu fosse hoje cliente de mais um produto da mesma empresa.
Sou assinante de um outro provedor de banda larga, que, hoje, corre pouco risco até mesmo pelo caso que contei. Mas ele “brinca” com isso quando me oferece um produto que já tenho (não me conhece?) e, às vezes, produtos até melhores em promoções fantásticas. Assinatura mais baixa, isenção de pagamento por três meses e por aí vai. Será que isso é justo? Será que estão realmente pensando em manter o cliente ou o importante é garantir o market share? Ou será que a rotatividade é tão alta que precisam adquirir mais e mais clientes, a fim de compensar os clientes que perdem. Será que se fizessem só o possível seria preciso tudo isso? Essa gente gasta mesmo muito dinheiro e sacrifica demais as margens para conquistar clientes novos. Com cinco vezes menos…
É muito comum (e se vê isso com freqüência nas operadoras de telefonia celular e de cartões de crédito) ver as empresas criticarem “o abandono, segundo elas, praticado pela concorrência, oferecendo vantagens aos que manifestam vontade de mudar de fornecedor. A célula de retenção. Esse fato ilustra a diferença conceitual entre reter e fidelizar cliente: o cliente fiel fica “apesar de”; o cliente retido fica “por causa de”. Faz-se de tudo para comprar a permanência. Mas será que se as empresas fizessem o possível, no dia-a-dia, precisariam despender tanto esforço e dinheiro? Não podemos ter certeza. Mas não é só por questão de preço que os clientes resolvem sair. Muitas vezes, eles se cansam do mau-serviço, dos maus-tratos.
Algumas empresas ou instituições recorrem a campanhas publicitárias que negam a própria essência do negócio. Nos fazem acreditar que o serviço e o atendimento são tão bons e que, de fato, são competentes no que fazem. Como se a atividade-fim não exigisse serviço adequado e um atendimento digno.
Embora possa parecer o contrário, acredito no poder das estratégias de marketing, acredito que é possível trabalhar a lealdade do cliente e que é necessário usar táticas de retenção. O que não posso aceitar é que elas prevaleçam sobre a simples atitude de fazer o que é simples: atender direito, prestar um serviço honesto e cumprir o prometido. Entregar o que vende. Se não for possível fazer apenas isto, como pretender mais do cliente?
Fazer mais que o possível parece difícil quando nem o possível é bem feito. E, se o possível não for feito, parece pouco provável que se consiga manter o cliente. Pense nisso.
Enio Klein ([email protected]) é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP