Processos, informações e regras de deci são. Eis a receita para dar ao agente condições de ter a responsabilidade amparada pelo conhecimento e o poder de decisão ampliado por regras claras e sistematizadas, que tornem as coisas fáceis e rápidas, para cliente e empresa. Isso é óbvio, dirá o leitor mais afoito. Mas, no dia-a-dia, não é o que se vê. Na operação de venda ou no pósvenda, os objetivos de curto prazo e métricos, assim como as metas individuais ou departamentais ou, ainda, outras necessidades, mais ou menos relevantes, “pegando carona” no processo de forma muitas vezes inadequada (“precisamos conhecer o cliente”, “precisamos satisfazer o cliente”, entre outras), contribuem para que os serviços prestados sejam de qualidade discutível e a abordagem do consumidor, cada dia mais impertinente, inconveniente.
Há umas duas semanas, adqui ri um notebook de um dos mais importantes e conceituados fabricantes internacionais. No meio de um monte de coisas, alguns recursos de comunicação não funcionavam. Quando se compra um equipamento novo (e o leitor já deve ter passado por isso), enquanto você não faz o bendito do registro, eles não sossegam: ameaçam de forma velada, dizendo que bom serviço de suporte requer o registro e outros artifícios para se certificarem de que o cliente irá dar os dados que eles querem. O conhecimento do cliente. Esse deve ser o processo. É importante obtê-lo na hora em que o cliente ainda deve estar satisfeito, pois acabou de comprar o equipamento.
Bem, fiz a conexão por acesso discado, e o tal registro, antes mesmo de instalar a rede, só para ter certeza de que o suporte seria melhor. Minutos depois, recorri ao suporte técnico para resolver os problemas. Muitos minutos e muitas músicas rolaram até que a agente parou de me tratar como criança (“Você comprou isso mesmo?”, “Tem certeza de que o driver existe?”, “Está conectado?”) e me disse, finalmente: “Preciso de seu registro”. “Já fiz pela Internet”, respondi. “Preciso fazer aqui. Pela Internet não adianta”. Não resolveram meu problema e ainda disseram que o tal registro que fiz não servia para nada. Tenho certeza de que servirá para entupirem meu e-mail de informações desnecessárias. Enfim, informei tudo de novo e a agente “muito obrigado, clique no ícone (a) e depois marque a caixinha (b) “. Adivinhem o quê? Funcionou imediatamente. O processo de atendimento requeria o registro. A chantagem. Primeiro me dê suas informações depois eu lhe dou o doce. Pior, eu já tinha fornecido as informações em outro canal, mas não faziam parte desse processo; só do outro. Que outro?
Todos sabemos que tudo o que as montadoras querem é conhecer melhor os proprietários dos carros e obter mais informações sobre eles. Havia uma semana que tinha comprado o carro, me liga alguém da montadora identificando-se como sendo do departamento de garantia da qualidade. A pergunta: “O senhor comprou um veículo novo conosco?”. “Sim” respondi eu. Como um raio: “Está satisfeito com sua compra e com nossos serviços?” Ainda não sei, acabei de comprar o veículo e felizmente ainda não precisei experimentar os serviços. “Sim senhor, entendo. Mas o senhor deve ter uma opinião sobre nossos serviços”. Pacientemente repeti o que já havia dito. Mas a agente insistia… insistia… que eu precisava dar minha opinião. “Os serviços são péssimos”, finalmente disse, quase gritando. “Algum motivo especial para sua insatisfação senhor?”. Um ou dois dias depois, me ligam novamente da montadora. Agora, do departamento de garantia. “Senhor, deseja manter sua satisfação com o veículo que comprou conosco além da garantia tradicional?”. “Não. A garantia é de dois anos e eu não sei se daqui a dois anos ainda vou estar com o veículo”, respondi. “Mas senhor, adquirindo a garantia agora, o senhor economizará…”. “Eu não quero”, repeti. “Mas não vejo motivo para não querer senhor, a oferta é ótima”. A pergunta que fica é: será que a montadora me dará um bom serviço no dia que eu precisar?
Alguns leitores talvez se lembrem de um artigo anterior, no qual contei um caso que ocorreu com um jornal de grande circulação. Na ocasião, por motivos alheios à minha vontade, fui instado a continuar com a assinatura, mesmo sem querer. Quando ela expirou, não renovei. Um mês depois, me liga uma representante do jornal. “Senhor, vimos em nossos registros que sua assinatura não foi renovada”. “Sim eu sei. Não quis renovar”, respondi. “Algum motivo senhor, nossa publicação é líder de mercado…”. Só faltou dizer que eu deveria ser maluco por não renovar a assinatura. Respondi que, se ela olhasse o histórico do meu relacionamento com o jornal, iria entender e que não queria que ela continuasse insistindo, pois não iria renovar e não queria ser mal educado. “O senhor tem que dar uma razão. Afinal, eu estou fazendo o meu trabalho e, não respondendo não está me respeitando…”. Desliguei o telefone.
Um último exemplo eu ouvi ontem, durante um evento sobre produtividade em contact center. “Nosso processo tem duas etapas: quando não podemos atender a solicitação do cliente porque envolve assuntos que não temos como resolver no momento, encaminhamos via workflow para o nosso backoffice”, disse o palestrante. E continuou: “Por exemplo, o cliente recebeu uma carta de cobrança e alega que pagou o boleto e nós não temos o registro do pagamento, encaminhamos para a área responsável para fazer a verificação e depois ela devolve ao atendimento para comunicar ao cliente o resultado nos prazos que determinamos”. Ora, esse procedimento parece servir para aqueles clientes que não pagam, pois para aqueles que pagam e estão com o boleto autenticado ou o comprovante na mão, ele pode soar como desrespeito. Será que os “prazos que determinamos” são razoáveis para alguém que pagou e se preocupa de verdade em esclarecer o assunto? O processo interno parece desrespeitar totalmente o senso comum e ainda assim é considerado bom e eficiente. Para quem?
Não posso acreditar que os relatos digam respeito a comportamentos ou opiniões pessoais. Não faz sentido. Acho que as pessoas envolvidas agem sob uma pressão muito forte das exigências de metas que as empresas as submetem. Às vezes, muito distantes dos objetivos estratégicos das próprias empresas.
Os processos acabam sendo criados para atender a essas pressões e métricas, e não aos objetivos originais para os quais os serviços foram criados. Não há padrão de qualidade, ou “melhor prática” que possa ser considerada. Vale a métrica do número, vale o processo ou necessidade da hora, vale o resultado de curto prazo.
O resto é só retórica.
Enio Klein ([email protected]) é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP