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Cacau Dellafancy

Transição de gênero não é tabu no call center

Segundo dados da Associação Brasileira de Telesserviços, setor emprega hoje mais de 14 mil transsexuais

Cacau Dellafancy trabalha no setor de telesserviços desde os 19 anos, tendo sido a sua primeira oportunidade de emprego com carteira assinada. Hoje uma mulher trans de 32 anos, Cacau ainda se reconhecia como um homem gay, quando teve o primeiro contato com a atividade. Já em sua segunda empresa de call center, onde atua como instrutora de treinamento, o processo de transição de gênero começou há cerca de um ano. Embora seu nome civil ainda conste no documento de identidade, no crachá da empresa, logins de acesso e interações do dia a dia ela é sempre Cacau. “Sinceramente, posso dizer que não sofro tanto preconceito. Como passo a maior parte do tempo no trabalho, onde sou respeitada, não vivo a rua intensamente”.

Ela é parte de um movimento de inclusão crescente promovido pelo setor de Telesserviços. Com cerca de 1,4 milhão de trabalhadores, incluindo jovens em seu primeiro emprego, negros e mulheres, o segmento concentra mais de 20% de sua força de trabalho na comunidade LGBTQIA+, segundo dados da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). A entidade estima que cerca de 1% dos colaboradores são pessoas trans. “Nos últimos anos, houve um crescimento grande desta população em nossas atividades. Somos um setor que foi evoluindo junto com a sociedade e nossa força de trabalho representa este progresso. O call center tem sido realmente porta de entrada para esta comunidade que outrora era preterida no mercado de trabalho. Ela é naturalmente abraçada no nosso setor”, comentou Gustavo Faria, vice-presidente da ABT.

“Sempre percebi pessoas da comunidade LGBTQIA+ no Telesserviço, mas não enxergava muitas pessoas trans, quando comecei. Hoje, sou cercada de colegas que passaram pelo mesmo processo que eu”, corrobora Cacau. Há oito anos na empresa de contact center AeC, ela foi a primeira integrante da família a deixar a cidade de Itaobim, interior de Minas Gerais, rumo à Belo Horizonte em busca de melhores oportunidades de trabalho. A área acolheu não apenas a sua identidade como a sua falta de experiência prévia. “Me aceitaram como sou e me deram uma carreira. Recebi todo treinamento que precisei para crescer na empresa. Eu entrei aqui como Carlos, mas quando fui me descobrindo como uma mulher trans, tive apoio do cliente, das áreas da gestão e dos colegas que encararam com muito respeito. Meu objetivo este ano é fazer a retificação do meu nome no cartório, mas não precisei fazer isso no trabalho”, destaca Cacau, que foi promovida no meio de seu processo de transição ao cargo de instrutora de treinamento.

Trabalho é estímulo

Pétala Silva, 33 anos, mora em Salvador, Bahia, e encontrou no Telesserviço um estímulo ao reconhecimento e aceitação de sua própria identidade de gênero. Assim como Cacau, ela também realizou a transição na atual empresa em que trabalha há 10 anos, a multinacional Atento. “Aqui eu realizei diversos sonhos. Tive a chance de me pós graduar em Gestão de Pessoas e me encontrei de verdade. O trabalho foi fundamental na minha transição, me encorajando e me ajudando a criar forças para expressar minha identidade”.

O processo de transição de Pétala aconteceu após quatro anos na Atento e coincidiu com sua promoção à supervisora. Ela descreve o processo como tranquilo e diz que, desde a fase de seleção, sentiu que a empresa estava preparada para recebê-la. “Há dez anos, as pessoas trans tinham que se moldar às exigências de um ambiente de trabalho muito mais preconceituoso que, diversas vezes, não nos percebia como profissionais sérias. Hoje a gente enxerga com muito mais clareza quando uma empresa tem a inclusão e a diversidade como um de seus pilares. Sinto ainda que estão aprendendo comigo. E o fato de eu ser uma pessoa trans, em momento algum, foi um obstáculo à minha promoção ao cargo”.

De acordo com Gustavo, “o trabalho é um primeiro passo importante para essas pessoas se sentirem parte da sociedade e ainda é um desafio imaginar uma transição de gênero acontecendo no ambiente corporativo sem fricções. O call center se diferencia muito, neste sentido, pela flexibilidade e abertura que dá aos colaboradores”.

Pétala também pretende retificar seu nome civil, mas na Atento – que emprega hoje mais de 450 transexuais – o que vale é como ela se reconhece e quer ser chamada. “Sei que sou referência para a minha comunidade. Sou uma mulher trans, negra e nordestina, ocupando um cargo de liderança. Resistência e persistência foram as palavras-chave que me fizeram chegar aonde cheguei, além de ter uma rede de apoio forte, que incluiu o meu trabalho”.

Tanto Pétala quanto Cacau entraram no mercado de Telesserviço e não saíram mais. Para o vice-presidente da ABT, esta permanência se deve às boas práticas que o setor tem promovido para garantir um ambiente seguro para a comunidade. “O que chamamos de ‘novo call center’ tem empenhado muito dos seus esforços na consolidação de políticas de combate a qualquer tipo de preconceito. Há hoje uma série de campanhas que reforçam a inserção deste e de outros grupos minoritários, por meio de ações voltadas ao respeito e à dignidade LGBTQIA+. As pessoas se sentem acolhidas nesta atividade, o que é muito significativo quando analisamos o mercado de trabalho no Brasil e a barreira do preconceito. O que o setor dá a elas, entre outras coisas, é a conquista da sua dignidade por meio do trabalho”, concluiu o VP.

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