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A ilusão de poder

E sabendo que o problema todo é que o cliente simplesmente não virou a maldita chavinha. Aí você pede licença educadamente, manda o indivíduo ler o manual do produto e desliga a ligação. O nível de sua irritação baixa lentamente e um sorriso começa a aflorar em seu rosto: você mostrou àquele idiota quem está no comando, quem tem o poder.

No entanto, você está total, redonda, completamente errado. Quem está no comando, quem tem o poder é sempre o consumidor. Segundo um estudo do Technical Assistance Research Program, de Washington, capital do Estados Unidos, “91% dos clientes insatisfeitos de uma empresa nunca mais comprarão dela, e cada um deles comunicará sua insatisfação a pelo menos 9 outras pessoas”. Isto é, mais algumas dezenas de atendimentos desse nível e sua empresa poderá sofrer um abalo de tal ordem que você, de repente, se verá na rua, com saudades daquelas perguntas idiotas.

Um exemplo bobo? Minha amiga Chris Aguiar voava entre São Paulo e Belo Horizonte pelo menos duas vezes por semana. Quatro trechos por semana. Descontando o mês de férias, ela voava, só nessa rota, em torno de 200 vezes por ano. Sempre pela mesma companhia aérea. Cliente, portanto, do tipo que mereceria tapete vermelho, e muita paparicagem. Pois muito bem. Certo dia, o piloto fez um pouso acidentadíssimo, com direito a arremetida, freagem brusca, bagagens de mão despencando, um inferno. E ela julgou-se com direito de reclamar à gerência da empresa no Aeroporto de Pampulha, onde teve de ouvir a seguinte pérola em forma de pergunta: “Por acaso a senhora sabe pilotar para saber se o pouso foi realmente arriscado ou não?” Ela ainda insistiu com a empresa, ligando para a central de atendimento, mas não recebeu sequer uma cartinha de “recebemos sua reclamação e estamos verificando etc. etc.” O resultado foi ela ter levado toda essa milhagem potencial para a companhia aérea concorrente. Mais: deixou de voar nas demais empresas do grupo. E fala mal delas para quem quiser ouvir.

Quem estava no comando, quem tinha o poder, o gerente que colocou minha amiga “no seu lugar”, ou minha amiga, que deixou de voar pela companhia, que fez o pessoal de sua empresa deixar de voar por ela e continua, muitos anos depois, fazendo campanha contra? E seria tão simples contornar a situação. Raciocine comigo. O pouso pode realmente não ter colocado ninguém em risco. Mas a percepção, o sentimento de quem estava dentro daquela banheira voadora (por mais estatísticas sobre segurança que existam, se você não se sente confortável em um avião, o mais moderno 777 será sempre uma banheira voadora – principalmente quando está chacoalhando, o que é bem comum em pousos e decolagens no Aeroporto da Pampulha), era de que havia razão para temer, motivo para o nervosismo. E bastaria demonstrar simpatia pela situação dela, solidarizar-se com o seu nervosismo, dizer uma simples frase: “a senhora tem toda razão”.

Quem trabalha em centrais de atendimento precisa ter consciência que, independentemente do tom utilizado, a reclamação do consumidor é principalmente um grito de socorro. Ele tem um problema e quer uma solução. Só isso. E quanto mais caro for o produto ou o serviço em questão, mais desesperadamente ele quer que nos solidarizemos com ele. Porque ninguém gosta de descobrir que se comportou como um otário e que comprou, caro, gato por lebre. E ali, no momento da verdade, se lhe damos razão, se lhe passamos o comando, se lhe entregamos o poder, ele desmonta, desarma-se, e a conversa passa naturalmente para um tom mais civilizado. Agindo assim estaremos reconstruindo a base que vai permitir que ele se mantenha cliente da nossa empresa. Que é, afinal, o objetivo de uma central de atendimento.

Da próxima vez que um consumidor ligar para reclamar do funcionamento do produto “xpto”, respire fundo, busque um sorriso sincero lá no fundo do seu coração e comece sua explicação com um “o senhor, a senhora tem razão”. Lembre-se que o verdadeiro poder está nas mãos dele. O fato de ele se manter cliente é o que faz a sua empresa se manter viva. E você manter o seu emprego.

*Fernando Guimarães é consultor, especialista em marketing de relacionamento. Seu principal cliente é o Programa Smiles da Varig.
e-mail: [email protected]
[email protected]

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A ilusão de poder

Você está há seis horas sentado em frente ao monitor de seu terminal de atendimento, um olho no relógio, o outro no texto explicativo em sua tela, o fone incomodando em seu ouvido, menos pelo fato de estar apertado do que por ter de ouvir o cliente reclamar aos berros que o produto “xpto” não funciona. E sabendo que o problema todo é que o cliente simplesmente não virou a maldita chavinha. Aí você pede licença educadamente, manda o indivíduo ler o manual do produto e desliga a ligação. O nível de sua irritação baixa lentamente e um sorriso começa a aflorar em seu rosto: você mostrou àquele idiota quem está no comando, quem tem o poder.
No entanto, você está total, redonda, completamente errado. Quem está no comando, quem tem o poder é sempre o consumidor. Segundo um estudo do Technical Assistance Research Program, de Washington, capital do Estados Unidos, “91% dos clientes insatisfeitos de uma empresa nunca mais comprarão dela, e cada um deles comunicará sua insatisfação a pelo menos 9 outras pessoas”. Isto é, mais algumas dezenas de atendimentos desse nível e sua empresa poderá sofrer um abalo de tal ordem que você, de repente, se verá na rua, com saudades daquelas perguntas idiotas.
Um exemplo bobo? Minha amiga Chris Aguiar voava entre São Paulo e Belo Horizonte pelo menos duas vezes por semana. Quatro trechos por semana. Descontando o mês de férias, ela voava, só nessa rota, em torno de 200 vezes por ano. Sempre pela mesma companhia aérea. Cliente, portanto, do tipo que mereceria tapete vermelho, e muita paparicagem. Pois muito bem. Certo dia, o piloto fez um pouso acidentadíssimo, com direito a arremetida, freagem brusca, bagagens de mão despencando, um inferno. E ela julgou-se com direito de reclamar à gerência da empresa no Aeroporto de Pampulha, onde teve de ouvir a seguinte pérola em forma de pergunta: “Por acaso a senhora sabe pilotar para saber se o pouso foi realmente arriscado ou não?” Ela ainda insistiu com a empresa, ligando para a central de atendimento, mas não recebeu sequer uma cartinha de “recebemos sua reclamação e estamos verificando etc. etc.” O resultado foi ela ter levado toda essa milhagem potencial para a companhia aérea concorrente. Mais: deixou de voar nas demais empresas do grupo. E fala mal delas para quem quiser ouvir.
Quem estava no comando, quem tinha o poder, o gerente que colocou minha amiga “no seu lugar”, ou minha amiga, que deixou de voar pela companhia, que fez o pessoal de sua empresa deixar de voar por ela e continua, muitos anos depois, fazendo campanha contra? E seria tão simples contornar a situação. Raciocine comigo. O pouso pode realmente não ter colocado ninguém em risco. Mas a percepção, o sentimento de quem estava dentro daquela banheira voadora (por mais estatísticas sobre segurança que existam, se você não se sente confortável em um avião, o mais moderno 777 será sempre uma banheira voadora – principalmente quando está chacoalhando, o que é bem comum em pousos e decolagens no Aeroporto da Pampulha), era de que havia razão para temer, motivo para o nervosismo. E bastaria demonstrar simpatia pela situação dela, solidarizar-se com o seu nervosismo, dizer uma simples frase: “a senhora tem toda razão”.
Quem trabalha em centrais de atendimento precisa ter consciência que, independentemente do tom utilizado, a reclamação do consumidor é principalmente um grito de socorro. Ele tem um problema e quer uma solução. Só isso. E quanto mais caro for o produto ou o serviço em questão, mais desesperadamente ele quer que nos solidarizemos com ele. Porque ninguém gosta de descobrir que se comportou como um otário e que comprou, caro, gato por lebre. E ali, no momento da verdade, se lhe damos razão, se lhe passamos o comando, se lhe entregamos o poder, ele desmonta, desarma-se, e a conversa passa naturalmente para um tom mais civilizado. Agindo assim estaremos reconstruindo a base que vai permitir que ele se mantenha cliente da nossa empresa. Que é, afinal, o objetivo de uma central de atendimento.
Da próxima vez que um consumidor ligar para reclamar do funcionamento do produto “xpto”, respire fundo, busque um sorriso sincero lá no fundo do seu coração e comece sua explicação com um “o senhor, a senhora tem razão”. Lembre-se que o verdadeiro poder está nas mãos dele. O fato de ele se manter cliente é o que faz a sua empresa se manter viva. E você manter o seu emprego.
*Fernando Guimarães é consultor, especialista em marketing de relacionamento. Seu principal cliente é o Programa Smiles da Varig.
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